Desde que tenho consciência da minha busca pelo sagrado na minha mais tenra idade, sempre ficou configurado no meu subconsciente uma caricatura sisuda, austera e inflexível de um Deus que para ser acessado, teria que primeiro ser conquistado com bom comportamento e uma disciplina rígida regrada por uma cartilha religiosa.
Lembro-me da minha dedicação e empenho em cursar o “catecismo” e a “crisma” logo na minha infância, posteriormente na minha juventude influenciado por minha mãe que era “mãe de santo” parti para uma versão digamos “mais espiritualizada” prestando serviço a “oxalá” e aos “guias” nos cultos afros, e já na fase adulta me aventurei a ser discipulado pelos “russelitas” ou como comumente são conhecidos “testemunhas de Jeová”.
Em todas essas tentativas de busca pela transcendência, sempre era me apresentado um “Ser Divino” que deveria ter sua ira aplacada e a atenção e favor voltados para o mísero humano, através de sacrifícios fossem eles “animal” ou “religioso” com as suas diversas variantes dentro de cada contexto específico.
Por mais que eu tentasse me relacionar e desenvolver uma espiritualidade em que atendesse as expectativas desse “Ser Inacessível”, sempre chegava a triste e inevitável conclusão de que eu não era bom o suficiente para agradá-lo e cumprir seus requisitos de conduta irrepreensível.
Foi então que depois de sérios problemas familiares, me apresentaram um tal de “Jesus dos crentes”, que tinha poder para resolver todas as minhas inquietudes e vicissitudes, se tão somente eu entregasse minha vida a ELE!
Diziam-me os “crentes”, que os problemas que eu estava enfrentando era permissão DELE, e que “quem não vem pelo amor, vem pela dor”.
Foi a experiência mais profunda, real e visceral que tive em toda minha longa trajetória em busca do sagrado. Estava feito! Eu havia me convertido ao Cristo Vivo e passei a vivenciar uma alegria intensa e imensurável, que tinha me transformado num apaixonado seguidor do “Jesus dos crentes”.
Tudo era leve e prazeroso, e eu havia finalmente encontrado a possibilidade factual para a remissão das minhas falhas e o colo de ALGUÉM que me recebia sem imposições, e se identificava comigo nas minhas dores.
Como era bom! Eu havia me tornado criança novamente e mal podia esperar o momento a semelhança de um garoto cheio de energia, de correr e pular nos braços do “MEU PAI” através da comunhão em relacionamento simples e adoração.
Mas o tempo e a infância espiritual passam. Fui crescendo no convívio com outros “crentes em Jesus”, me tornei líder e agreguei vários cargos eclesiásticos, posteriormente fui ordenado a pastor, primeiro auxiliar depois titular de uma grande denominação, e então conheci os bastidores e os porões do sub-mundo religioso.
Muito antes de ser ordenado ao ministério, comecei a discernir através de sermões que ouvia e no convívio com leigos e clérigos, que o Jesus que grande parte dos “crentes” haviam absorvido, já não era aquele que eu havia experimentado com tamanha liberdade no início da caminhada, e foi então que me questionei: “Não me apresentaram esse Jesus!”.
Esse Jesus que pude constatar através do “modus operandis” dos “crentes”, pouco se diferenciava do “Ser Inacessível” da minha busca pelo sagrado, pois estava condicionado em meu favor através dos “não toques, não proves, não manuseies” como disse o apóstolo.
Ele foi se tornando intransigente, iracundo, obsessivo por bom comportamento, preocupado com minha postura social, esquisofrenizou-se a ponto de me exigir semblante cabisbaixo como sinal de espiritualidade, bons modos no vestir, perfeccionismo moral, ele me segregou do convívio com quem não era da “turma dos crentes”, me impôs uma série de regras e exercícios espirituais para que eu tivesse o direito de acessá-lo e ser merecedor do seu favor. Ele me desumanizou, me despersonalizou e o vazio se instalou novamente.
Por mais que eu tentasse conciliar e fazer uma conexão da minha real experiência de paixão pelo “Amado da minha alma” com esse “Ser Intangível” que agora se apresentava como castrador da minha liberdade de existir como indivíduo em construção, e que se impunha de maneira autoritária sobre minha humanidade imperfeita, simplesmente eu não conseguia e não aceitava.
Minha busca começava novamente. Eu queria encontrar não o Jesus dos “crentes” ou dos “evangélicos”, mas o Jesus dos evangelhos. O Jesus pronto a perdoar e entender nossas fragilidades, O Jesus que não impõe, mas que convida a mudança, O Jesus que se satisfaz somente com relacionamento, e não com sacrifícios, exercícios ou ativismo religioso, O Jesus que sabe respeitar a personalidade e cultura de cada um, O Jesus alegre que gosta de festa e eventos sociais, O Jesus que se estivesse presente “in persona” em nossa época, sairia numa bela sexta-feira para curtir um “happy hour” com o pessoal que saiu cansado do trabalho a fim de descontraírem e terem boas conversas sobre a vida, O Jesus que deixaria de lado tantos programas eclesiásticos mórbidos engendrados por homens para caminhar livremente pelas favelas ou por lugares nada honrosos segundo a estética religiosa, para se fazer amigo de prostitutas, criminosos, trabalhadores, em fim, pessoas comuns, seres humanos, e dizer a eles que poderiam contar com um ombro amigo, O Jesus que nos finais de semana participaria de uma boa churrascada com aquele futebolzinho entre amigos, e entre uma e outra conversa curaria os doentes de alma e de espírito com Sua Agradável Presença, O Jesus que desprezaria as mega catedrais e templos da glória, para freqüentar as praças e parques e brincar com a meninada, pois “dos tais é o reino dos céus”, O Jesus que se convidado, participaria de festas de formatura e diria aos recém formandos: “é isso jovens, vocês são fortes, não se deixem vencer por esse sistema maligno, cresçam como gente porque EU estou com vocês!”, O Jesus que numa festa de casamento (agora eu vou exagerar) no Brasil, com toda certeza multiplicaria ainda um bom vinho, mas que não dispensaria uma boa cerveja gelada porque não tem respaldo Bíblico, O Jesus que saberia escutar e dançar uma boa música (vou exagerar novamente) talvez, um pop rock, samba, baião, frevo, forró ou outro estilo qualquer, para mostrar que era tão Divino quanto humano, e que se alegra com a felicidade de sua criatura, porque a vida é uma música que precisa ser dançada com leveza, graça e intensidade.
Me estendi até aqui para dizer que esse Jesus eu encontrei e DELE não abro mão, pois Ele é divinamente humano, sensível, alegre, e gosta de tudo que contribui para a vida e felicidade do ser criado a Sua imagem e semelhança!
Está consumado! Minha busca cessou e agora me tornei um potencial candidato a pecha de “REBELDE” e “HEREGE”. Não me importo mais com rotulações, conquanto que possa desfrutar desse JESUS que é o AUTOR DE TUDO QUE LEVA A INSÍGNIA DA VIDA!
Não me apresentaram esse Jesus! Eu O descobri no caminho da existência, revelado pelo Evangelho que é vida, e argumento suficiente para compensar de uma vez por todas minhas limitações e fragilidades de ser caído que sou, mas que foi levantado pela Graça!