terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A parábola do Ogan da Rocinha
 
 

Aconteceu de, num certo dia, no Largo da Carioca (Rio de Janeiro), aparecer um PHD em Teologia questionando, com fim de pôr a prova o Homem da Roça. Disse o Doutor em tom de deboche:

_ Mestre, o que precisamos fazer para que venhamos herdar a vida eterna?

O Homem da Roça sorriu já sabendo a intenção do Doutor, respondendo:

_ Amigo, o que está escrito na sua Bíblia? Como você interpreta?

Pôs-se a dizer, o Doutor, com a expressão de quem tem tudo decorado e enumerando com os dedos:

_ Ame ao Senhor, o seu Deus de todo o coração, de toda alma, de todas as suas forças e de todo seu entendimento e... ame o próximo como a si mesmo.

Replicou o Homem da Roça:

_Você respondeu de forma sensata. Se fizer isso, ficará vivo! – disse colocando a mão nos ombros do Doutor.

Todavia o Doutor, encabulado, querendo justificar-se, posando de improviso relativo a alguém que ainda tem a fazer mais uma pergunta e que era essa a pergunta principal e não a outra, disse:

_ Tudo bem, mas antes de ir diga-me algo: quem é o meu próximo?

O homem da Roça virou-se aos que o ouvia e em tom de voz mais alto começou, com delicadeza, a contar uma história:

_ Um homem vinha de moto, à noite, do Centro da Cidade em direção a Madureira e, passando em frente à comunidade do Jacarezinho cercado e abordado por assaltantes. Estava com todo seu salário na carteira. Míseros R$ 545,00! Recusando-se a entregar o dinheiro que pagaria o aluguel de R$ 250,00, as compras do mês e o remédio da filha de 4 anos, os assaltantes espancaram-no, despiram-no deixando apenas com a roupa íntima. A impressão é de que estava morto, principalmente após o tiro que o alvejou.

O Homem da Roça percebeu que os que ali estavam ficaram espantados. Continuou a contar:

_ Eram 22:40 hs da noite. Por ser um local violento não passava mais ninguém passeando pelos comércios da região. Apenas trabalhadores voltando de seus trabalhos. Aconteceu de estar passando no mesmo beco que o rapaz estava jogado um Pastor, um Ministro de Louvor e um Diácono. Vinham os três de terno e engravatados, após terem contado o dinheiro que arrecadaram naquele dia para a “obra de Deus”. O Pastor pregara naquele dia sobre Amor. Ao chegarem perto do rapaz, viram-no apenas de roupas íntimas, deram a volta em torno do corpo, pensando mecanicamente “está vendo, o que não faltou foi oportunidade aceitar a Cristo” e prosseguiram seus caminhos.
 
De igual modo passou um Padre, quando passou pelo beco e o viu, contornou seu corpo, seguindo seu caminho, após ter feito sinal da cruz. Pensou ser um usuário de Crack que estava devendo. O rapaz agonizava bem baixinho, o rosto estava desfigurado.

Entretanto, passava pelo beco um Ogan¹, morador da Rocinha que era dono de um comércio dentro da favela do Jacarezinho. Ao ver o rapaz, jogado, visivelmente com a perna quebrada, pois uma das pernas estava dobrada por cima das costas, o Ogan olhou-o e desesperou-se. Compadeceu-se tremendamente. Agachou-se evitando move-lo para que não prejudicasse o rapaz fisicamente. Olhando para o rapaz, pôs uma mão na cabeça da vítima, com carinho e disse:

_ Rapaz, vai ficar tudo bem, você vai ficar vivo.

Em resposta o rapaz agonizou mais uma vez. Com a outra mão pegou o celular e ligou para um Hospital particular famoso localizado no bairro Méier. Mesmo hospital onde fora operado um jogador de futebol reconhecido mundialmente. Após ter ligado e comunicado escorreram as lágrimas. Pôs-se a pensar o porquê dessas coisas acontecerem, qual o motivo das pessoas não conseguirem viver como irmãos.

Lembrou-se da frase de Martin Luther King, negro americano e ativista pacifista, que dizia:

“Aprendemos a voar como os pássaros, a nadar como os peixes; mas não aprendemos a simples arte de vivermos juntos como irmãos.”

O Homem da Roça contando percebeu que agora, os o que o ouvia não apenas estavam estupefatos, porém também com raiva. Continuou contando:

_ O Ogan no outro dia, pela manhã, no Hospital, pediu a um de seus funcionários que chegasse mais cedo e abri-se a Padaria. Como não sabia o nome do rapaz, que permaneceu por três dias em um estado horrível, sem poder falar, ficou uma semana inteira até que o rapaz se recuperasse. Não sabia sobre a família. Pagou todas caras despesas do Hospital e, depois do rapaz, quando recuperado razoavelmente, lhe falou o que havia acontecido, enquanto o rapaz dormia, deixou R$ 1000.00 em na mão dele. Foi embora nunca mais tendo visto o rapaz e agradecendo a Deus por aquela vida ter sido salva.
Terminando a história o Homem da Roça perguntou:

_ Então Doutor, diga-me segundo o que pensa: Qual desses você acha que foi o próximo do homem que caiu foi espancado por bandidos?

Ao que lhe respondeu o Teólogo:

_ Ora, aquele que teve misericórdia do Rapaz!
 
O homem da Roça aproximando-se, pondo a mão sobre a nuca do Doutor e olhando nos olhos disse-lhe:

_ Vá e faça o mesmo! Siga o exemplo do Ogan da Rocinha!

 (¹) OGAN é a pessoa responsável por desempenhar tarefas de apoio durante os cultos no candomblé, geralmente tocam atabaque dentre outras atividades.

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